Evidenciações Científicas: o que (mais) o histórico da Astrobiologia pode nos contar?

Texto de autoria de
Giovanna Garbini Daut

Desde lunetas e microscópios até as tecnologias atuais, que são capazes de não só detectar e observar, mas também investigar objetos interestelares e terrestres, o campo de estudo da astrobiologia pôde se apropriar de um duradouro e diverso banco de dados.

O conhecimento conquistado através das questões acerca da definição de vida (ou pelo menos dos organismos vivos) molda diretamente a ciência exploratória5 desde, pelo menos, 1990, independentemente dos inúmeros resultados objetivamente inconclusivos, em, por exemplo, missões de exploração espacial4.

A Terra abriga o famoso fenômeno da vida, hoje estudado pela astrobiologia com o rigor do método científico. Fruto da fusão de duas áreas que se complementam, esse estudo influencia na percepção da identidade humana2, ou seja, na nossa visão de nós mesmos. A maneira como as evidenciações científicas que estabeleceram a biologia e a astronomia como ciência foram testemunhadas ao longo da história pode narrar a trajetória da humanidade quase que inteiramente!

Figuras de 1 a 4: Instrumentações de observação ao longo do tempo: exemplos. Da esquerda para a direita: o conhecimento ancestral da astronomia indígena (Fonte: cena do documentário O Céu dos Índios disponível em https://www.cineset.com.br/critica-o-ceu-dos-indios-flavia-abtibol-2019/); a estátua de Galileu Galilei segurando um telescópio (Fonte: FERNANDES, Cláudio. “A invenção do telescópio por Galileu Galilei”; Brasil Escola. Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/historiag/a-invencao-telescopio-por-galileu-galilei.htm. Acesso em 29 de outubro de 2023.); o ato de observar em um microscópio (Fonte: Imagem de Freepik); e a arte do telescópio Kepler demonstrando a diversidade de corpos mapeados durante seu tempo de funcionamento por desenhos em volta (Fonte: NASA/Ames Research Center/W. Stenzel/D. Rutter).

Ciência e Tecnologia

Todo o sucesso na ciência e na tecnologia espacial de fato motivava os estudos na área desde o princípio4, influenciando no propósito do desenvolvimento destas. Portanto, a tendência de progresso nessa área científica entra em total harmonia com o avanço da tecnologia – o que, em um primeiro momento, se apresenta como vantagem para a sociedade como um todo. Todavia, estas têm o poder de proporcionar uma relação mais íntima com a estrutura e a diversidade camuflada universo afora.

Os dados coletados e interpretados ao longo do tempo – até hoje – superam os desafios da exploração espacial e corroboram o fundamento da astrobiologia, contemplando a astronomia com o estudo do espaço, corpos celestes e eventos astrofísicos e tanto a biologia qualitativa (nas concepções em todas as suas subáreas) quanto a quantitativa (expandindo evidências com mais e outros experimentos e/ou missões).

Explorar o contexto histórico do caminho que a ciência percorreu para que estas tecnologias envolvidas na pesquisa rigorosa pelo entendimento do fenômeno da vida existissem é apresentar e interpretar a potência ou o poder -dessas tecnologias em todas as suas naturezas. Afinal, estes seriam os contextos que moldaram um modelo de sociedade a ser seguido ao longo do tempo.

Se bem analisadas, estas razões históricas cumprem um ótimo papel de demonstração da realidade. A fim de se estudar o potencial dessas representações, ao introduzirmos a variável “poder” nestas análises, é preciso caprichar nos detalhes para dar sequência ao raciocínio da interpretação – o que se conecta com as diversas definições de vida (em toda sua abrangência de definições humanas) que a astrobiologia considera em seu referencial teórico. É este movimento que a diferenciou em sua ascensão, pois antes era chamada de exobiologia.

Aqui será exposto um breve relato das evidenciações científicas que consolidaram a biologia e a astronomia como ciência, já que estas têm um ponto em comum ao se questionar sobre a origem de tudo e, mais especificamente, da origem da vida. Desta mesma maneira, é possível que façamos um trabalho de reconhecimento do que o contexto social de produção dessas tecnologias representa. Assim, entenderemos um pouco mais de como essas lógicas influenciam e impulsionam o campo da astrobiologia nos dias de hoje.

Um breve histórico das evidenciações científicas

Descrever o histórico das evidenciações científicas neste artigo naturalmente demanda uma maior atenção nas áreas estratégicas para a astrobiologia. As leis, teorias e hipóteses científicas são moldadas pelas considerações e debates ao longo da história, com influência de ambas as descobertas experimentais e as interpretações filosóficas e epistemológicas – reconhecidas hoje num campo de estudo chamado de filosofia da ciência.

Dentre questionamentos, observações, registros, manipulações de lentes e cálculos, tudo isso moldava o pensamento. Cada conclusão tomada experimentalmente influenciava as interpretações filosóficas, assim como estas também influenciavam a maneira como se conduzia ou manipulava objetos.

Figura 5: O registro do mapa estelar mais antigo já encontrado. O padrão estelar da constelação de Órion ilustrado numa lasca da presa de um mamute, de marfim, com cerca de 32.500 anos. Fonte: BBC NEWS World Edition (disponível em: http://news.bbc.co.uk/2/hi/science/nature/2679675.stm).

No contexto religioso, as especulações e contradições em relação ao objeto de estudo da astrobiologia como campo de pesquisa conflitavam com a ideia de existir um Deus. Mas o ponto central de qualquer estudo era o comportamento humano.

Todos os fatos não referenciados neste tópico, até o ano 200, se encontram dentre a compilação do histórico da ciência, em sua maior parte ocidental, disponibilizados no site Science Timeline, o qual será usado como referência para, superficialmente, destacar nomes e suas contribuições majoritariamente tendenciados para as áreas estratégicas da astrobiologia

A civilização da humanidade tem pilares na domesticação de animais, na construção de ferramentas, no derretimento de metais e em religiões e rituais. A astronomia, naturalmente uma curiosidade humana, por volta de 4.800 a.C. já era exercida: povos da região da Nabta Playa, no Egito, marcaram a posição de Sirius com megálitos e pedras, formando o mais antigo sítio astronômico conhecido na Terra.

Já havia, no segundo milênio a.C., afirmações sobre a Terra ser um globo e que girava em torno do Sol nos livros sagrados hinduístas. Na biologia, a partir do primeiro milênio, as especulações sobre a vida de organismos vivos circulavam entre os filósofos pré-socráticos, assim como os estudos matemáticos – na maioria das vezes baseados em composições musicais. Paralelamente às especulações, aumentavam-se os registros astronômicos, principalmente sobre eclipses.

Da metade do primeiro milênio em diante, diversos filósofos homens, em sua maioria gregos, que muitas vezes também eram astrônomos, matemáticos, políticos, historiadores, geógrafos e entre outros títulos, criaram escolas filosóficas. A primeira foi fundada por Tales de Mileto. Ele acreditava que tudo era água, visão de mundo chamada de monista.

Por volta de 420 a.C., o filósofo Demócrito desenvolveu a teoria atômica de Leucipo de Mileto, apresentada alguns anos antes, a qual trouxe a ideia de que o mundo consistia no vazio e numa quantidade infinita de átomos, sendo semelhantes em todo o universo. De acordo com o que Demócrito descreve sobre os átomos, a ideia agora é de que estes “… existem em um espaço de extensão infinita e no qual cada estrela é um Sol e tem seu próprio mundo”. É neste momento e com estas noções em que são registradas as discussões sobre outros mundos.

A esse ponto da história, astrônomos e matemáticos já estavam se familiarizando com cálculos referentes aos movimentos do Sol, da Lua e do movimento retrógrado dos planetas. Daí em diante, proporções passam a ser amplamente utilizadas e praticamente tudo fazia referência a estas.

Aristóteles (384-322 a.C.) defendeu diversas visões que permaneceram dominantes até a época do desenvolvimento da ciência experimental, de onde surgem críticas ao senso comum e ao mito popular acerca de suas ideias na teoria primitiva sobre a origem da vida: a abiogênese2.

Entretanto, em seu raciocínio, antes de fazer suas afirmações, tinha como conduta um ato político de considerar “o reino do ser, ao qual um determinado corpo pertence por sua natureza”, pois, de acordo com ele, “é somente no ‘seu’ lugar que um ser chega à sua realização e se torna verdadeiramente ele mesmo”. Provavelmente esta foi a origem para seu pensamento geocêntrico do universo, onde a Terra estaria fixa e no centro de tudo e, assim, defendia a singularidade de um mundo.

O filósofo Epicuro tentou resolver contradições entre a natureza dos átomos e considerações éticas. Inicialmente, as visões sobre os átomos pareciam “como um processo aleatório e unilateral“. Posteriormente, os ensinamentos epicuristas afirmaram que o universo se originou da combinação de átomos por meio das leis naturais.

Epicuro reforçou a discussão sobre a existência de outros mundos por pensar que não havia como negar a possibilidade de existirem outros mundos, uma vez que existia um número infinito de átomos.

Dentre avanços e descobertas, a astronomia moldava uma forma de organização da sociedade a partir da projeção de um calendário de 365,25 dias. Isto foi possível por seguidas realizações na área, como o cálculo do diâmetro da Terra e a invenção dos astrolábios e entre outras.

A partir daqui, a história acontece numa nova era: a Era Cristã (hoje também chamada de Era Comum). O entendimento sobre astronomia e a possibilidade de existência de outros mundos estava refém das ideias de Aristóteles e da ascensão do pensamento cristão. Tomás de Aquino, influente teólogo da época, por exemplo, negou o pensamento sobre a possibilidade de existência de outros mundos. Mesmo assim, a intenção de praticamente todos os estudos era comum: entender a natureza.

A matemática era cada vez mais incorporada nos estudos científicos, combinando técnicas de observação e medição exata – metodologia defendida por Roger Bacon, padre e filósofo que, por volta de 1267, insistia que esta fosse usada até mesmo nas escolas, para o estudo da natureza.

O século XIV começa com alguma tendência nova de naturalismo na figura humana e uma representação mais convincente do espaço nas artes. Houve uma ousadia na Itália, em 1327, ao Francisco Petrarca ignorar as condutas da corte na escrita de poemas para uma mulher – que eram vistas como símbolos espirituais, sem corpos nem emoções reais.

Entre 1440 e 1482, o teólogo alemão Nicolau de Cusa negou a teoria geocêntrica e sugeriu que as estrelas eram outros sóis e habitavam mundos. É neste período que Leonardo da Vinci inicia seus estudos e representações.

Por volta de 1512, Copérnico levantava a hipótese de que a Terra era um planeta que, como todos, girava ao redor do Sol e suas regressões em órbitas planetárias eram explicadas por seus movimentos. Sua teoria é chamada de heliocêntrica.

 Chegando ao final do século XVI, a figura de Giordano Bruno aparece como “a doutrina do universo descentralizado, infinito e infinitamente povoado”, acompanhada de uma explicação dos fundamentos que deveriam convencer o público a aceitá-la. Zacharias Janssen, no ano de 1590, fabricava óculos com seu pai e é citado pela União Astronômica Internacional (IAU) como o criador do microscópio.

Em 1609, Galileu Galilei aparece nos registros ao usar um microscópio composto, nomeado analogamente ao termo “telescópio” pelas observações possuírem especificidades astronômicas7 – as quais corroboraram a teoria heliocêntrica15 que acabou sendo proibida pela igreja na Idade Média. Já no ano de 1620, Francis Bacon estabelece um dos princípios fundamentais da prática científica: “aquilo que melhor conhecemos é aquilo que melhor podemos manipular”.

Em paralelo, Johannes Kepler formulava as suas três leis do movimento planetário, fortalecendo ainda mais os estudos sobre os astros celestes, e René Descartes publicava a obra “Discurso do Método” com, finalmente, fundamentos do método científico – além de, em sua obra “Princípios da Filosofia”, propor que cada estrela observada possa ser um Sol (fortalecendo o caminho da discussão sobre habitabilidade em outros mundos).

Depois, o trabalho de Hooke (1665) em descrever, pela primeira vez, o que é uma célula. Alguns anos depois, em 1668, Francesco Redi argumenta a teoria da biogênese. Newton, dentre muitas contribuições, propôs a lei da gravitação universal nesta época.

Em 1669, Nils Steensen conseguiu explicar como a Terra adquiriu a sua conformação atual ao postular sequências de fases geológicas distintas. No ano seguinte aparecia Boyle, revelando que havia produzido hidrogênio, o átomo mais abundante no meio interestelar2, pela reação de metais com ácidos. Alguns anos depois, Roemer divulga sua observação sobre o efeito Doppler.

Na filosofia da época, Immanuel Kant, tendo estrelas e sistemas planetários como ponto de vista, acreditava que “a maioria dos planetas são certamente habitados e aqueles que não são, o serão em algum momento”, em outras palavras (trazidas pelo website utilizado), que se a vida for suportável, ela ocorrerá. Nos anos seguintes, a tendência em considerar as dinâmicas naturais do planeta nos estudos aumentava, e estes trabalhos sobre a história natural das coisas ganhou um nome: biologia.

Jean-Baptiste Lamarck, nomeado como botânico pela nação francesa, apresenta sua teoria da evolução, o lamarckismo. Acreditava que as espécies eram imutáveis e sua teoria propôs a lei do uso e desuso – exemplificada pelas famosas girafas e seus pescoços longos, mas basicamente empírica, por não considerar que existisse uma seleção natural dos indivíduos. Por mais que não acreditasse na extinção das espécies e que suas leis tivessem conceitos equivocados, sua contribuição para a biologia é inegável.

Em 1812, Georges Cuvier usou de evidências paleontológicas – ligadas, na época, à geologia – para justificar uma ordem cronológica das coisas. Entretanto, se apoiava na ideia de que as espécies eram imutáveis.

Até 1827, a ideia central sobre a origem da vida seria que a vida não poderia surgir a partir de algo não vivo11. No ano seguinte, Friedich Wöhler formou uréia em laboratório, aquecendo cianato de amônio, sem que fosse preciso um animal formado produzindo-o. Assim derrubou-se esta ideia, abrindo o caminho na química para experimentações deste tipo.

Darwin, reunindo muitas ideias expostas anteriormente, publica sua renomada obra “Sobre a origem das espécies por meio da seleção natural” ou “A preservação das raças favorecidas na luta pela vida” em 1859. A partir de então, temos afirmações sobre a existência de um ancestral comum, de uma seleção natural agindo por pressões ambientais e a ideia de que condições químicas teriam agido para que estruturas orgânicas se formassem, dando origem a vida como conhecemos. Muitos debates que surgiram a partir da obra enfrentaram o saber religioso da época.

Após esta publicação, Gregor Mendel complementou suas afirmações com a perspectiva da genética sobre a hereditariedade – área que se manifesta cada vez mais a partir desse momento. Na Alemanha, Hermann von Helmholtz levanta a hipótese da panspermia11, dizendo que a vida na Terra descende de microrganismos interestelares, implicando que a vida existiria, então, em todo o universo.

Neste período, a humanidade passava por um processo intenso de modernização, onde as ideias e movimentos sociais do ocidente regulavam as do resto do mundo20. Na época, Émile Durkheim – natural da França – começava a publicar seus livros (considerados pilares no campo da sociologia) e a teoria da geração espontânea é derrubada.

Observando os traços da superfície de Marte, Giovanni Schiaparelli e Percival Lowell, separadamente, comunicaram a hipótese de se ter vida em Marte através de esboços das suas observações, intitulando-as de “canais” (artificiais) para mover água, só podendo ser construídos por algum tipo de civilização19. Alguns anos depois, Vicenzo Cerulli esclareceu estas ideias, dizendo que eram apenas as formações geológicas naturais de Marte2.

Figura 6: Os esboços de Percival Lowell. Duas imagens, de diferentes perspectivas, das linhas retas que traçam os canais de água do planeta Marte. Fonte: Wikimedia.
Figura 7: Os esboços de Giovanni Schiaparelli. Mais parecido com os contornos de um mapa, demonstra os canais de água de Marte contornados por porções de terra nomeados pelo autor. Fonte: Wikimedia.

Já no século XX, a humanidade estava a descobrir microrganismos presentes no ar e que, com a fervura na água, podiam ser eliminados⁴. Devido ao impacto da revolução industrial, o século inicia-se com expressões de alerta, feitas por cientistas, quanto ao clima global. Dentre eles, estava o químico Arrhenius, o qual também especulou muito sobre a origem da vida. Ele levantou outra versão sobre a hipótese da panspermia.

Em 1905, Albert Einstein publica a teoria da relatividade especial. Até que, em 1915, resolveu erros de cálculo – criando a teoria da relatividade geral16. Já em 1927, a lei Hubble-Lemaître9 sobre a expansão do universo era o grande choque da época, levando à teoria do Big Bang.

Em paralelo, na área da genética, ocorreram experimentos e descobertas importantes relacionadas a cromossomos, DNA e outras estruturas, gerando especulações sobre a origem desses elementos, tomando conta dos experimentos na área. 

Em meados de 1923, a teoria da síntese química da “vida” aparece no livro de Aleksandr Oparin, com suas moléculas em colônia, chamadas de coacervados. Logo em 1929, John Haldane publica uma teoria análoga2. Até que, em 1953, Stanley Miller e Harold Urey conduziram um experimento baseado nas ideias de Oparin e Haldane, simulando condições de como se pensava ser a Terra primitiva2 e obtiveram resultados tão promissores que vários outros pesquisadores realizaram experimentos que complementavam suas descobertas.

Neste momento, tem-se relatos de que o primeiro uso documentado de um termo relacionado à área da astrobiologia aparece numa publicação de Laurence J. Lafleur, em Janeiro de 1941, num artigo de jornal da Sociedade Astronômica do Pacífico4!

Depois, em 1945, Schrödinger trouxe temas que moldaram a perspectiva de pesquisa na biologia durante 30 anos em seu livro “O que é vida?”. Agora os estudos têm enfoques cada vez mais atrelados a genes e comportamentos – que se transformam na área da biologia molecular mais tarde. A partir das cristalografias de raios X de DNA de Rosalind Franklin, Watson e Crick propuseram um modelo tridimensional da estrutura do DNA, influenciando próximas abordagens de pesquisa para determinismo estrutural.

O físico Enrico Fermi abordou, em 1950, sobre uma discrepância entre tanto se falar em pluralidade de mundos e civilizações e não se falar em contato com elas2. 11 anos depois, Frank Drake quis estruturar alguns preceitos para que fosse possível de se pensar no paradoxo criado por Fermi, apresentando uma equação complementada por David Brin no ano seguinte.

Em meados da década de 70, Stephen Hawking e Penrose provaram que o Universo deve ter tido um início no tempo, com base na teoria da relatividade geral de Einstein. Neste momento, começam a surgir cientistas num movimento neodarwinista. Na área da paleontologia, Stephen Jay Gould interpreta o registro fóssil de forma diferente do pensamento até aqui, sugerindo que a evolução pode acontecer de forma rápida (em relação ao tempo geológico) e em locais específicos2. Em meio a conflitos, a NASA conquista a chegada do homem à Lua.

Desde 1970, as missões do programa de Exobiologia da NASA já se alinhavam com as de interesse da astrobiologia4. Nesta mesma época, experimentos começam a ser propostos para explorar Marte. Alguns anos depois, as sondas Viking puderam apenas analisar uma área da superfície do planeta, não encontrando evidências de moléculas orgânicas.

Com o avanço da biologia molecular e dos estudos na genética, novas teorias sobre a origem da vida passam a ser testadas. Mais modelos de cosmogênese foram sendo propostos e, no final da década de 80, houve um estudo em que a sugestão de se rastrear DNA mitocondrial humano poderia nos levar até um ancestral materno africano comum. É no mesmo contexto que o Instituto da Busca por Inteligência Extraterrestre (em inglês, Search for Extraterrestrial Intelligence – SETI) surge, com o propósito de se aprofundar na equação de Drake.

Em 1992, o satélite explorador de radiações cósmicas de fundo (consideradas as radiações presentes logo depois do Big Bang) já agia. No ano seguinte, anunciou-se a descoberta de bactérias fossilizadas em rochas de 3,5 bilhões de anos na Austrália Ocidental.

Em 1996, o meteorito Allan Hills 84001 foi achado e identificado como um meteorito marciano, provocando o marcante debate social sobre como deveríamos reagir se ele portasse, então, evidências de moléculas orgânicas – o que não aconteceu14.

Especula-se que o termo “astrobiologia” pode ter sido enfim consolidado com a criação da NAI – NASA Astrobiology Institute nesta época. O contexto de sua definição não permaneceu o mesmo. As pesquisas vêm tomando diferentes significados e consolidando-o desde então.

O presente século XXI começa atestando que teríamos, enfim, o genoma humano sequenciado. A partir daqui, mais sondas começam a ser enviadas a Marte, a Titã (uma lua de Saturno) e entre outros, para que, com mais informações, outras pesquisas pudessem ser desenvolvidas2.

Em 2005, era feito o anúncio que impactou a área da astrobiologia: as evidências de locais que aparentam terem percorrido grandes correntes de água líquida em Marte, que hoje carrega o posto de maior laboratório exobiológico à nossa disposição2. Os resultados das missões até aqui proporcionaram pelo menos uma década à frente de novas descobertas e noções acerca dos aspectos físico-químicos atmosféricos e terrestres dos corpos celestes explorados no Sistema Solar.

Após 9 anos de missão, a NASA divulgou os principais resultados científicos da missão que o telescópio espacial Kepler, lançado em 2009, cumpriu e deixou um legado de mais de 2.600 exoplanetas detectados13. Seu banco de dados abriu as portas para a exploração de nossa galáxia e aumentou o interesse pela busca de aspectos que corroboram habitabilidade para nós.

Até aqui, temos anos de especulações sobre a origem da vida na área da genética e biologia evolutiva. Entre lipídios, proteínas, DNA, RNA e entre outros, hoje, a hipótese do mundo RNA é considerada como a mais validada pela comunidade científica11. Com constantes progressos, a hipótese sugere que uma molécula de RNA tenha sido o precursor para processo de evolução darwiniana². O caminho que está sendo traçado para responder às limitações de cada uma considera cada vez mais variáveis das leis físicas, da biofísica, das reações e dos princípios químicos e dos processos bioquímicos.

Desde então, a promessa para a nova década estava prevista para ser lançada em 20182. Devido ao seu enorme potencial (e custo), o telescópio espacial James Webb foi lançado com sucesso no final de 202112. Seu maior objetivo é estudar todas as fases da história do nosso universo. No âmbito astrobiológico, oferece a possibilidade de analisar atmosferas planetárias e, em qualquer que sejam as hipóteses, intensifica os debates sobre habitabilidade12.

Figura 8: Conexões científicas entre a busca por organismos com vida e a exploração espacial. Para representar a área de pesquisa da astrobiologia, a imagem conta com um planeta ao lado de uma galáxia envolta da estrutura de um DNA. Fonte: NASA/Cheryse Triano.

Ao longo do tempo, os avanços científicos cada vez mais carregavam a responsabilidade de considerar todas as características e fenômenos terrestres possíveis para, de fato, se auto aprimorar. É neste contexto que classificamos a bioquímica e a biofísica como áreas estratégicas para a astrobiologia.

Atualmente, com um entendimento da química da vida, conseguimos descrever organismos vivos e utilizar tecnologias para detectar e analisar superficialmente condições de corpos e objetos interestelares.

Assim, a área de pesquisa da astrobiologia inaugura um lugar de questionamento, por possuir o potencial de, por exemplo, com o rigor do método científico, inferir e sinalizar formas de e/ou evidências de habitabilidade em meio a uma gama de representantes e características semelhantes à Terra.

Conexões na Astrobiologia

Na astrobiologia, o encontro com a natureza humana parece ser inevitável – assim como sua exploração. Em seus conceitos, esta área fomenta pesquisas que visam, em sua generalidade, responder aos questionamentos que o homem faz há milênios sobre a origem de tudo e, mais especificamente da vida, como a enxerga, conhece e tem ciência de.

Para propor missões de cunho astrobiológico, é possível seguir alguns princípios básicos6 para conseguir resultados. Afinal, estes projetos provocam movimentações no público pelo interesse curioso e pelo apoio às iniciativas de alto custo2, resultando em avanços tecnológicos úteis no dia a dia – como palmilhas de sapatos e sistemas de purificação de água10. Não há dúvidas sobre os benefícios das missões espaciais quando se trata do desenvolvimento da sociedade.

O conhecimento adquirido vivifica e impulsiona debates sobre a habitabilidade e promove a integração de dados interdisciplinares. Isso enriquece interpretações e evidencia quem estaria, então, tendenciando o debate, abrindo caminhos para responder às perguntas que os humanos fazem há milênios.

O potencial destas representações

Sem fins científicos, todos podemos observar o céu – embora com limitações de visibilidade terrestre. No céu noturno, podemos visualizar a olho nu a Lua, inúmeras estrelas e, sabendo diferenciar corretamente, planetas. Observações eventuais de meteoros também ocorrem e os meteoritos que caem na Terra chegam a ser acessíveis a quem os encontre.

Sempre de alguma maneira, os humanos tentam explorar (dominar) e domesticar (oprimir) a natureza – o que parece ter sido feito sem a consciência de ser pertencente à sua própria – transformando recursos abundantes em inacessíveis.

Das lunetas de Galileu Galilei até os atuais telescópios com espelhos gigantescos, aumentamos nosso potencial de observação em, no mínimo, dezenas de bilhões de anos-luz8.  No decorrer da ascensão do sistema social vigente, mesmo com o movimento iluminista, o ocidente inova seu contrato com a mitologia de tempos em tempos3 – o que faz com que a desapropriação da natureza e a parcialidade sejam cada vez mais presentes3.

Toda a trajetória do desenvolvimento dos instrumentos e das tecnologias científicas pode revelar que as ações voltadas para os interesses de grupos sociais influentes naturalmente afetaram o ambiente e o contexto ao seu redor.

Logo, de fato, o que representa as tecnologias tem muito poder na sociedade. Seus primeiros modelos para exploração espacial têm raízes militares, em contextos de guerras ideológicas entre nações – que estiveram no lugar de colonizadoras, seja para exploração ou povoamento. Um recente e memorável exemplo é a corrida espacial durante a Guerra Fria, quando os Estados Unidos enviaram um homem à Lua em 1969. Após esse feito, as atividades na exploração espacial diminuíram consideravelmente.

O que antes era moldado por competição, a exploração espacial agora se beneficia cada vez mais da colaboração e exige esforços interdisciplinares, coerentes e responsáveis. A astrobiologia, como campo científico, está ganhando destaque em um cenário de movimentação significativa, embora limitada, com investimentos bilionários.

Conclusões

Para além do gigantesco banco de dados que ambas as disciplinas possuem, suas tecnologias, cada vez mais intrínsecas a qualquer tipo de resultado, não estão limitadas somente a uma posição espacial na experimentação científica. Estas já são necessariamente pensadas para funcionar de acordo com uma medida de tempo diferente da nossa própria.

Ou seja, nesta área de pesquisa, lidamos – desde o princípio – com uma diversidade de corpos e objetos de acordo com o rigor do método científico em diversas medidas de tempo e espaço.

Figura 9: O potencial do telescópio James Webb em detectar a diversidade afora. Desenho dos espelhos do telescópio James Webb com representantes da biodiversidade terrestre em volta, as abelhas e flores. Fonte: JOANNA BARNUM: ICON: METAPHOR: Watercolor and 24k gold leaf on paper.

As argumentações acerca do universo que eram feitas na Grécia Antiga – de onde nossas considerações científicas e filosóficas atuais se baseiam – retratam como a sociedade da época se manifestava de acordo com um dualismo enraizado que dividia o mundo em duas instâncias: divina e mundana. Uma vez que o Sol passa a ser considerado o centro do universo (e não mais a Terra), não há motivos para que não fossem considerados outros mundos além do nosso.

Por outro lado, as motivações por trás das viagens de exploração e migração, por exemplo, foram variadas ao longo da história da humanidade, mas seguramente caracterizaram e distinguiram a humanidade desde o início com a vantajosa aquisição de conhecimento objetivo como resultado18, porém, às custas não-naturais de muitas vidas.

Um breve reconhecimento do que foi documentado como ciência e filosofia nos mostra que tipo de característica de espécie, raça, classe, gênero, etnia, nacionalidade, orientação sexual, forma de união, religião e não-deficiência performa e molda a história da humanidade.

Essas diferenças influenciam a capacidade de responder a questões na astrobiologia, mas não refletem completamente a diversidade da ancestralidade. Mesmo que tenhamos avançado nas últimas décadas, ao comparar-nos com o passado, esta não seria uma representação tão significativa – ao passo que, comparar com um possível futuro, esta seria a representação mais confortável em relação à diversidade reconhecida atualmente.

Sommariva, A.20 diz que “a exploração, como princípio organizador, equilibra os interesses concorrentes de construir para o futuro versus viver para o agora”, podendo não só devolver à humanidade como também proporcionar depois de muito tempo uma fronteira aberta depois de todo esse caminho que tendenciou a sociedade a ser excludente, desumana e desnaturada.

A astrobiologia tem a tendência de visar uma universalidade de conceitos, modelos e analogias. Estes têm o potencial de ser os condutores17 para o trabalho em conjunto em busca de humanizar e naturalizar as produções de conhecimento.

REFERÊNCIAS

1: Antonio, J. O poder, o Estado e a política. ATRICON. 2018. Disponível em: <https://atricon.org.br/o-poder-o-estado-e-a-politica/>. Acesso em: 29 set. 2023.

2: Astrobiologia [livro eletrônico]: uma ciência emergente / Núcleo de Pesquisa em Astrobiologia. São Paulo: Tikinet Edição: IAG/USP, 2016. 10 Mb; ePUB e PDF. Capítulos 1, 2, 5, 6, 11, 13 e 14.

3: Bassani, J. J., Vaz, A. F. Sobre o domínio da natureza na filosofia da história de Theodor W. Adorno: uma questão para a educação. Revista Brasileira De Educação, 16(46), 9–32, 2011. https://doi.org/10.1590/S1413-24782011000100002

4: Blumberg, B. S. The NASA Astrobiology Institute: Early History and Organization. Astrobiology, 2003.

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6: Des Marais, D. J.; Walter, M. R. Astrobiology: exploring the origins, evolution, and distribution of life in the universe. Annual Review of Ecology and Systematics, n. 30, 1999.

7: Drake, S. Galileo Studies. Ann Arbor: University of Michigan Press, 1970.

8: Gonçalves, T. Depois do Hubble: o telescópio espacial James Webb. O Globo, Rio de Janeiro, 2018.        Ciência e Matemática. Disponível em: <https://blogs.oglobo.globo.com/ciencia-matematica/post/depois-do-hubble-o-telescopioespacial-james-webb.html>. Acesso em 01 ago. 2022.

9: International Astronomical Union. International Astronomical Union members vote to recommend renaming the Hubble law as the Hubble–Lemaître law. iau1812 — Press Release. 2018. Disponível em: < https://www.iau.org/news/pressreleases/detail/iau1812/>. Acesso em: 24 set. 2023.

10: Jet Propulsion Laboratory. 20 Inventions We Wouldn’t Have Without Space Travel. California, 2016. Disponível em: <https://www.jpl.nasa.gov/infographics/20-inventions-wewouldnt-have-without-space-travel >. Acesso em: 01 ago. 2022.

11: Lazcano A. Historical development of origins research. Cold Spring Harb Perspect Biol. 2010 Nov;2(11):a002089. doi: 10.1101/cshperspect.a002089.

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14: NASA Gravity Assist. Season 4, Episode 20: The History of the Future, with Steven Dick. [Poadcast]. NASA podcasts, 30 de setembro de 2020. Disponível em: < https://www.nasa.gov/podcasts/gravity-assist/gravity-assist-the-history-of-the-future-with-steven-dick/>. Acesso em: 15 out. 2023.

15: Oliveira Filho, K. S. Telescópios e Instrumentos. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Instituto de Física, Departamento de Astronomia. (Modificada em 30 mar 2022). Disponível em: < http://astro.if.ufrgs.br/telesc/node1.htm>. Acesso em: 31 jul. 2022.

16: Ono, Y.A. How I created the theory of relativity. Physics Today, 35, 45-47. 1982. Dísponível em: <https://www.semanticscholar.org/paper/How-I-created-the-theory-of-relativity-Ono/4ed5c3077e53023171928b537ed71d017f295a5a>. Acesso em: 21 set. 2023.

17: Puig, C. F., Videira, A. A. P. A Eficácia da Construção de Modelos em Ciência: as Analogias Reais de James Clerk Maxwell. Revista Portuguesa de Filosofia, 2017, 73(3/4), 1553–1580.

18: Silva, E. C. H.; Silva, B. V. G. PENSAR A VIRADA DO SÉCULO XIX PARA O SÉCULO XX A PARTIR DA HISTÓRIA DA ARTE: Simbolismo, Expressionismo e Abstracionismo. Outros Tempos, vol. 19, n. 33, 2022, p. 36-56. ISSN: 1808-8031. Disponível em: <https://www.outrostempos.uema.br/index.php/outros_tempos_uema/article/view/908/921>. Acesso em: 24 set. 2023.

19: Simon, M. Fantastically Wrong: One Astronomer’s Quest to Expose the Alien-Built Canals of Mars. WIRED. 2014. Disponível em: <https://www.wired.com/2014/05/fantastically-wrong-martian-canals/>. Acesso em: 01 out. 2023.

20: Sommariva, A. Motivations Behind Interstellar Exploration and Colonization, Astropolitics: The International Journal of Space Politics & Policy, 2014. 12:1, 82-94.

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